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segunda-feira, 7 de abril de 2014

Belo e estranho mundo 3 - De novo, não é o chupacabras

Volta e meia as pessoas capturam algum animal comum doente, deformado ou com alguma mutação e, por não ter uma aparência que lhes pareça familiar, associa a um exemplar de alguma espécie da fauna mitológica local.

Ao sul dos Estados Unidos e boa parte do México, qualquer carnívoro assim é automaticamente classificado como um chupacabras putativo. Acharam mais um:


A reportagem dá destaque à hipótese de que seja um chupacabras. Até vão entrevistar um especialista, mas deixam no ar - como se a hipótese de que se trata mesmo de chupacabras fosse uma que merecesse crédito.

O especialista diagnostica o animal como um canídeo com alguma alteração. Mas me parece pouco provável que seja o caso, porque o animal usa as patas dianteiras para agarrar e manipular pequenos objetos, girando a porção palmar da mão para dentro. Em canídeos, movimentos de pronação (giro para dentro) e supinação (giro para fora) são muito limitados.

Assemelha-se mais a um procionídeo: um guaxinim (Procyon lotor) que perdeu a pelagem - talvez por doença ou mesmo uma mutação. Em 2010, em Oklahoma, foi capturado um guaxinim glabro vivo. Também em 2010, em outra cidade texana, Runaway Bay, houve caso de um outro guaxinim sem pelos, infelizmente morto. Em 2011, outro exemplar foi capturado morto no Condado de Nelson, Kentucky. No mesmo ano um guaxinim pelado foi capturado em Vero Beach, Flórida. A espécie é encontrada por quase todo os EUA continental (Fig. 1).

Figura 1. Área de distribuição nativa (vermelho) e introduzida (azul) de guaxinim. Fonte: Wikimedia Commons

Não é uma busca exaustiva, mas em todos esses casos acima, a população imaginou tratar-se do chupacabras. É algo para o que não tenho ainda uma resposta satisfatória: por que bobagens como chupacabras se espalham com relativa rapidez e se mantêm estáveis, mas a informação de que são animais comuns com alguma alteração - neste caso, guaxinins pelados - não tem o mesmo apelo e penetração.

Não me parece ser o caso simplesmente de uma preferência de se acreditar no sobrenatural e no fantástico. Sempre que possível, tentam recobrir as lendas com algum fumo de fundamentação científica: se achassem ADN estranho, se um estudo científico concluísse que se tratava de um ser alienígena, isso seria absorvido de bom grado. (Como no caso da farsa de "estudo" sobre ADN de pés-grandes.) Por que guaxinins pelados não se fixam na imaginação? Não são suficientemente inusitados? O mistério de saber por que alguns são sem pelos não é misterioso o bastante?

Verdade que, se fosse alienígena, haveria uma implicação cósmica mais profunda a respeito de não estarmos sós no universo. Mas parte dos que preferem que seja chupacabras se recusa a crer na cosmicamente profunda implicação da teoria evolutiva que nos conecta aos guaxinins - e às cabras, e à grama, e às bactérias... Pra mim o mistério maior é entender isso: o que faz hipóteses não embasadas em fatos (ou até contrariadas por eles) fincarem raízes tão profundas (sejam historicamente recentes ou antigas em suas origens) em uma cultura, enquanto outras tão complexas e elaboradas quanto, tão desafiadoras do senso comum quanto, mas solidamente fundamentadas em fatos, registros e experimentações, serem relegadas ao estranhamento e à ignorância?

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